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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Vampiros (e adaptações capengas)


Um aspecto atraente, em "Drácula" de Bram Stoker, é o modo como o romance é estruturado: na forma de cartas e registros de diários escritos pelos personagens (o chamado "romance epistolar"). Isso aumenta exponencialmente a carga de suspense, pois não há um narrador onisciente explicando tudo; ao contrário, sabemos da trama apenas aquilo que os próprios personagens sabem. Daí descobrimos com Jonathan Harker a sensação de estranhamento e angústia que é ser prisioneiro no castelo do Conde. O narrador onisciente geralmente é um desmancha-prazeres. Ao invés de nos manter na ignorância, como o protagonista da história, o narrador vai dizer que atrás da porta há isso ou aquilo, e o protagonista não precisa atravessar a porta para descobrir. Bram Stoker foge disso, e acompanhamos passo-a-passo o terror se desenrolar.

Estava ou morto ou dormindo, não posso dizer, pois seus olhos estavam abertos e parados, mas sem o aspecto vítreo que lhes dá a morte, e as faces tinham o calor da vida, apesar da palidez; os lábios estavam vermelhos como sempre. Mas não havia sinal de movimento, de respiração, nem o coração batia. Debrucei-me sobre ele e tentei em vão procurar um sinal de vida. Resolvi ver se as chaves estavam com ele, mas, ao revistá-lo, encontrei seus olhos que refletiam tanto ódio, embora inconsciente de minha presença, que fugi e, saltando a janela do quarto do Conde arrastei-me, de novo, pela parede do castelo.

É o espírito gótico vitoriano.

Mas há outro trabalho literário, tão gótico que é citado no próprio "Drácula". É o clássico poema de Gottfried August Bürger (1747- 1794), "Lenore", presença constante em qualquer estudo literário sobre vampirismo. A premissa da balada é simples, mas sinistra: uma noiva, angustiada com a falta de notícias do amado, que fora para a guerra, faz o pedido, blasfemo, de morrer com ele se fosse o caso. Como que atendendo ao pedido, o cavaleiro aparece à porta para levar a noiva ao leito nupcial mas, na cavalgada pela noite escura, fica evidente que já não passava de um morto-vivo, arrastando-a não para as núpcias mas para o túmulo.

Sob a ponte os sons ecchoam!
-Tremes, cara? A lua é pura.
Depressa o morto andar usa.
Tens medo de mortos? -Não.
Mas delles falar se escusa.

Na tradução de Alexandre Herculano, "Lenore" por "Leonor" (os portugueses, aliás, são mestres no goticismo -na minha definição, o sombrio romantizado-, como se vê aqui).

Voltando a "Drácula", e a adaptação para os cinemas de Coppola? Uma adulteração absurda na trama original, o amor "de outras vidas" entre Mina e o romeno, que inclusive morre invocando Deus. Pode agradar às mocinhas suspirantes, mas não ao leitor que conhece a história. As adaptações fazem com maestria esse assassinato da obra original, causando ojeriza aos fãs antigos mas, ao menos isso, despertando o interesse de novos públicos. Foi o caso de Troia, que, espero eu, tenha levado à "Ilíada" uma nova geração de leitores. Se o preço da redescoberta de um clássico da literatura universal for sua divulgação por meio de uma adaptação cinematográfica capenga, vale a pena. O problema é que muitos se contentam com a adaptação capenga.

"Crepúsculo" e Stephenie Meyer? Estou falando de vampiros, e não de brincadeira pré-adolescente. Mas o princípio é o mesmo: da leitura rasa (o mesmo vale para "Harry Potter") pode-se chegar aos grandes.

Em homenagem ao Não-morto, o clássico do Bauhaus, "Bela Lugosi's dead", Bela Lugosi, o ator húngaro, famoso por interpretar o Dentuço, que é a imagem do post.

3 comentários:

Anônimo disse...

A "literatura epistolar" do Drácula de Bram Stoker só é emocionante no começo e no final. Agora o enredo todo eu acho um tédio sem fim.

Sobre a adptação que se faz dos livros nesses filmes eu não sou uma pessoa tão chata quanto os "especialistas" e "acadêmicos". Gosto da licença poética. Em Troia, porém, o que me desgostou foi a forma como se construiu a personalidade "maquiavélica" do Agamenon. A necessidade de haver um herói (representado por Aquiles) e um vilão (Agamenon) simplificou demais o enredo. No final, como é de praxe, foi preciso assassinar o conquistador de Tróia. Sua morte humilhante condizia com aquela visão maniqueísta dos filmes norte-americanos.

Willian Alves de Almeida disse...

A pergunta que não quer calar: Tejo leu Crepúsculo? kkkkkkkkk!!!!!!!!

Não sou fã de filmes de Terror (só gosto do The Shinning do Kubrick, meu diretor predileto, só vi por causa dele e do Jack Nicholson), mas é muito interessante essa análise vou procurar relê-lo, pois quando lembro do livro de Bram Stocker, o primeiro filme que me vem a cabeça é a comédia "Drácula: Morto, mas feliz" com o sensacional Leslie Nielsen como Vlad Draculia.

J.L.Tejo disse...

Na Ilíada, o verdadeiro heroi pra mim sempre foi Heitor. Aquiles, como disse alguém, era apenas algo como um mercenário com um grande ego (e mimado, ainda por cima). Mesmo "Troia" destacou bem Heitor, apesar do apelo midiático de Brad Pitt como Aquiles.

Licença poética, tudo bem, o problema é avacalhar o original. Mas não se pode ser xiita, de fato.

Essa comédia com Leslie Nielsen é ótima e, ah, não li "Crepúsculo", rs.

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