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domingo, 30 de outubro de 2011

Anarquistas e a questão do Estado


Joycemar Tejo
outubro de 2011

Tenho falado, como no post sobre James Cannon, que as pessoas (a grande maioria delas) parecem ter a necessidade de um "pai", de algo, uma autoridade, que lhes diga o que fazer, como proceder e, em casos extremos, até como pensar e sentir. Parece algo como uma grande infância espiritual, digamos assim. Ocorre que as gerações se sucedem e a idade adulta não chega. Nascem e morrem crianças- e vão buscar conforto nos "papas" e "pastores", se religiosos, ou nos "guias geniais", nos "grandes timoneiros", nos "pais dos pobres", em termos políticos. O fascismo se alimenta muito disso: o líder fascista é o intérprete da vontade popular (melhor dizendo, é quem diz "o quê" é a própria vontade popular), sendo o povo, assim, incapaz de se autodeterminar, uma mera "ficção teatral" (ver "O fascismo eterno" de Umberto Eco, aqui).

Eu não nutro a menor simpatia por "guias" de qualquer tipo. Muito menos aqueles que o são em nome do socialismo; esquecem que o socialismo é o autogoverno dos trabalhadores, o que pressupõe pessoas autodeterminadas. A ditadura do proletariado é obra da classe em seu conjunto, e não de cabeças "coroadas" e vitalícias. O verdadeiro revolucionário vai recusar seu culto. Lênin é a figura emblemática disso. Quando contrariado dentro do Partido, não apelava à purga ou à vendetta: simplesmente ameaçava demitir-se do Comitê Central e fazer a oposição como militante de base. Mas isso não impediu que, após sua morte, por sincera devoção do povo russo -mas também por oportunismo dos dirigentes- fizessem de Lênin faraó, como no texto de Arthur Conte (aqui).

terça-feira, 25 de outubro de 2011

...then the bird said, "nevermore"


Aquela edição era solene: capa preta de couro e detalhes em dourado. Nas contracapas, a imagem soturna de um cemitério, cruzes e lápides em primeiro plano e uma lua cheia encoberta por nuvens ao fundo. Eu ainda era moleque e apesar de já saber ler aquelas letrinhas miúdas tiravam meu interesse, mas gostava de admirar o livro. Morria de medo, claro. E os títulos? "O gato preto", "Os assassinatos da Rua Morgue", "Nunca aposte sua cabeça com o diabo"... Largava correndo e ia pra perto da família.

Foi só na adolescência que parei realmente para ler Edgar Allan Poe. A mesma edição, aliás; tenho-a até hoje, surrada, é verdade. Foi a tarde em que li "O escaravelho de ouro". Aquele quase-sobrenatural me fascinou, mais ainda quando entraram na história matemática, piratas e...caças ao tesouro! Para acompanhar o raciocínio dos protagonistas, precisei pegar papel e caneta para reproduzir a decodificação dos mapas do Capitão Kidd. Um verdadeiro filme de suspense, que fala ao intelecto. Depois deste vieram os demais contos, devorados um a um, e geralmente -quando o protagonista era Dupin- acompanhados com papel e caneta, para tentar -e só tentar- seguir o narrador na descoberta do enigma.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Divina comédia


Paulo Coelho -não riam- diz que quando o sujeito é ateu mesmo, ateu convicto, não perde tempo com religião, nem para conjecturar e nem mesmo para espezinhar. Portanto, aqueles ateus chatos, aqueles que voltam reiteradamente à carga contra a crença alheia, seriam ateus "confusos", mais querendo convencer a si próprios do que qualquer outra coisa. Parece-me verdade: afinal, quem não acredita, não acredita- e só. Vai encher o saco dos outros com isso por que? É como se ele quisesse se vingar de Deus, bradando que "Ele" não existe, e que quem acredita é idiota; é como a fábula das uvas verdes, o sujeito critica quem acredita porque no fundo queria acreditar também. É dor-de-cotovelo, uma dor-de-corno celestial. "Pai, Pai, por que me abandonaste?" Não acredito mais em você. Tô de mal. É ridículo um ateu atacar Deus. Atacar-se-á o que não existe?

No que me diz respeito, pouco importa a crença de uma pessoa, como critério para avaliar tal pessoa. Conheço estúpidos ateus e religiosos, reacionários ateus e religiosos, revolucionários uns e outros. Também não julgo os motivos que levaram tal pessoa à religião: é coisa de estrito foro íntimo. Uma leitura, uma experiência, a criação familiar, um -por que não?, acredite se quiser- chamado. E ei-la convertida. Se se sente feliz, que seja. Vejo pessoas se tolhendo em prol da religião. Não concordo, mas respeito: a medida deve ser a do próprio bem-estar emocional. O que é sacrifício para um pode ser libertador para outro, veneno pode ser remédio (e vice-versa), o que chamamos liberdade tem acepções diversas.

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