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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Divina comédia


Paulo Coelho -não riam- diz que quando o sujeito é ateu mesmo, ateu convicto, não perde tempo com religião, nem para conjecturar e nem mesmo para espezinhar. Portanto, aqueles ateus chatos, aqueles que voltam reiteradamente à carga contra a crença alheia, seriam ateus "confusos", mais querendo convencer a si próprios do que qualquer outra coisa. Parece-me verdade: afinal, quem não acredita, não acredita- e só. Vai encher o saco dos outros com isso por que? É como se ele quisesse se vingar de Deus, bradando que "Ele" não existe, e que quem acredita é idiota; é como a fábula das uvas verdes, o sujeito critica quem acredita porque no fundo queria acreditar também. É dor-de-cotovelo, uma dor-de-corno celestial. "Pai, Pai, por que me abandonaste?" Não acredito mais em você. Tô de mal. É ridículo um ateu atacar Deus. Atacar-se-á o que não existe?

No que me diz respeito, pouco importa a crença de uma pessoa, como critério para avaliar tal pessoa. Conheço estúpidos ateus e religiosos, reacionários ateus e religiosos, revolucionários uns e outros. Também não julgo os motivos que levaram tal pessoa à religião: é coisa de estrito foro íntimo. Uma leitura, uma experiência, a criação familiar, um -por que não?, acredite se quiser- chamado. E ei-la convertida. Se se sente feliz, que seja. Vejo pessoas se tolhendo em prol da religião. Não concordo, mas respeito: a medida deve ser a do próprio bem-estar emocional. O que é sacrifício para um pode ser libertador para outro, veneno pode ser remédio (e vice-versa), o que chamamos liberdade tem acepções diversas.

O que eu acho, e tenho falado nisso desde o "Elogio da Dialética" (ver aqui), é que a crença adquire caráter deletério quando tira nossa iniciativa para resolver os problemas reais. Se Deus vai consertar tudo, por que nos mexermos? Daí a religião vai merecer a justa pecha de ópio (conforme a clássica crítica de Marx), porque a esperança nessa "solução divina" vai anuviar nossas mentes para os problemas cotidianos. Mas eu penso que se pode ter crença e não consumi-la no formato ópio: basta que se entenda Deus como inserido no aqui e agora (hic et nunc!). Então somos chamados a interferir no nosso cotidiano neste exato momento, e não depositar esperança num futuro beatífico em nuvens rosas. A religião (melhor dizendo, a religiosidade) pode ser instrumento de mudança. Pode ser, e os exemplos são vários, emancipadora. Acontece que preferem consumi-la como ópio, e é por isso que Osho sacanamente diz: as religiões são contra as drogas, porque disputam o mesmo mercado...

Eu acho que, se tanta gente não acredita em Deus, a culpa é...do Próprio. Tem um poema, não me lembro de quem, que diz que se Deus quisesse ser conhecido simplesmente diria "eis-me aqui!" e se revelaria à humanidade. Mas não: se esconde atrás de camadas de parábolas. Lembro-me do dragão invisível de Carl Sagan. Não há muita diferença entre um dragão invísivel, intangível e cujo fogo não tem calor, e um dragão que não existe. O mesmo se aplica a um Ente que ninguém ouve, vê ou percebe e que deixa tudo rolar conforme sua vontade (a qual não conhecemos); um Ente desse existir ou não, não faz a menor diferença.

Claro, podemos nos abrir à ideia, poeticamente falando. Inúmeras coisas aqui fora nos dão a sensação de Deus: a lua, as estrelas, as ondas quebrando, o sorriso de uma criança (sim, parece piegas). Mas isso não nos autoriza a deduzir conclusivamente que o tal Ente está por trás disso. Daí me lembro novamente de Carl Sagan, que diz que o universo é tão belo, concretamente dizendo, que não há necessidade de buscarmos o encanto na mitologia.

Acredite se quiser.

Bem, se não acredito, por que dediquei um post a isso, agindo como os pseudo-ateus do Paulo Coelho? Eu confesso, sou crente no armário.

5 comentários:

Coletivo Lênin disse...

Tejo, o poema que você fala é "O Guardador de Rebanhos", do Fernando Pessoa/Alberto Caeiro.

Realmente, muita gente aí que está na luta revolucionária faz isso movida pelo cristianismo radical, ou outra forma de religiosidade. Esses caras, mesmo não sendo materialistas na sua concepção de mundo, são menos revolucionários que os outros? É claro que não, a prática é o critério da verdade (Engels).

Breno Corrêa disse...

Sai do armário!!!

Willian Alves de Almeida disse...

Paulo Coelho... Mas temos que ler tudo realmente, Tejo.

J.L.Tejo disse...

Prefiro um crente revolucionário a um ateu reformista.

Não vou sair do armário. Sou dialético-macumbista com orgulho :)

Paulo Coelho? Por isso que coloquei "não riam" :(

Fernando Rodrigues Felix disse...

Os sandinistas, o padre Jorge Camilo Torres Restrepo e outros que o digam.

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