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sábado, 24 de setembro de 2011

Censor, o vilão da história


Os haters caíram de pau em "Lanterna Verde" (Green Lantern, 2011), como se vê aqui. As pessoas com quem conversei partilharam da mesma opinião: o filme é tosco, ruim, podre. Mas, puxa vida, eu gostei. Não sei se meu critério é rebaixado (gosto de filmes, mas não sou cinéfilo, i.e., não sou nem pretendo ser um especialista), ou se o fã de quadrinhos que eu sempre fui jamais poderia desgostar de um filme do Lanterna Verde. Mas gostei e até assistiria de novo.

Pode parecer que eu seja contraditório (e até me identifico com Fernando Pessoa, melhor, Álvaro de Campos, quando na Ode Marítima fala em almas complexas como a minha, como as NOSSAS, Álvaro) mas, enquanto para algumas coisas sou tremendamente exigente, para outras simplesmente deixo fluir. Cool total. E vou explicar por que sou assim: porque espero de algo exatamente o que esse algo pode dar. Ora, se estamos falando de filmes: se quero filme de arte assistirei Fellini, se quero filme-pipoca, assistirei...Lanterna Verde (o próximo da fila é o novo Conan). Ficarei chateado se for atrás de um filme-arte e encontrar um "pipoca" melhorado. Aí os haters teriam razão.

O bom mesmo é o inverso. Pegamos para assistir (continuando em filmes) algo despretensioso e vem aquela grata surpresa. "O Lutador" (The Wrestler, 2008), com o Mickey Rourke, poderia ser desses. O título e a sinopse passam a ideia de "filme de luta", até às raias do pueril (quer coisa mais pueril que luta livre?), mas ledo engano. Há é um drama dos bons. Por outro lado, só os distraídos são surpreendidos assim. As resenhas nos cadernos culturais nos jornais servem justamente pra isso.

O hater é um fenômeno interessante. Li em algum lugar sobre a surpresa que o Chico Buarque, em suas aventuras na rede, teve ao verificar o quanto -logo ele, patrimônio da música nacional- é odiado nos fóruns de discussão e comentários pela web. Surpresa, porque na vida real nunca notou essa hostilidade toda. Ocorre que a rede se porta como -mas não é- um mundo à parte. A facilidade de transmissão de ideias e opinião alcançou tal patamar que, de certo modo, pode-se dizer que banalizou o próprio ato de transmitir ideias e opinião. Ficou muito fácil, muito cômodo. Da cadeira confortável defronte ao computador o sujeito pode despejar tudo o que quiser. Contra tudo e contra todos. Claro que, aqui fora, é o cordeirinho manso de sempre.

Essa liberdade é boa- e divertida. Os comentários nos youtube da vida são hilários. Ocorre que, sobre o assunto, sou obrigado a repetir o chavão (algo antipático, mas verdadeiro) de que liberdade não é libertinagem...Haters, comportem-se.

E, da liberdade-libertinagem chegamos a "A Serbian Film- Terror Sem Limites" (Srpski film, 2010). A pergunta é a velha de sempre: quais -se existentes- os limites da liberdade artística?

A pergunta é velha porque as respostas são sempre inconclusivas. Dizer que o limite é "a moral e a ordem pública" não ajuda muito, se não se sabe exatamente o que é a "moral" nem a "ordem pública". Moral em um centro urbano como São Paulo ou Nova Iorque é uma coisa, em Kandahar, outra. E é perigoso deixar tudo nas mãos do subjetivismo. Uma coisa é evidente para mim: não há direito absoluto, seja liberdade de qualquer tipo -locomoção, de expressão etc.- seja a própria vida (pode-se matar em legítima defesa, afinal de contas, o que sem dúvida é uma violação ao direito à vida do agressor). A artística também tem limites. Ocorre que a proibição de "Serbian Film" (veja um pouco da polêmica aqui) exorbitou a questão artística: foi uma proibição motivada por algo mais sombrio, mais obscuro- o próprio conservadorismo de direita mostrando as garras. E não por acaso foi o DEM, o partido, por trás da iniciativa de cerceamento aqui no Brasil.

Eu não assistiria ao filme. As cenas narradas são de embrulhar o estômago- basta que se diga que há até mesmo o estupro de um bebê. Mas é preciso considerar duas coisas: a) é uma ficção, e como tal simulação, simulacro, fantasia: a tortura no filme é fictícia, os estupros são fictícios, o bebê estuprado é apenas um boneco; b) o filme, com a devida classificação etária (acima de 18 anos, claro), é acessível apenas a adultos e um adulto seguramente tem (ou deveria ter) a liberdade para assistir o que quiser nos cinemas.

A liminar que proibiu a exibição do filme disse o fazer "em defesa da família e de seus valores".

Vem cá: quem pediu que minha família fosse "defendida"?

Entendem o ponto?

O cidadão, de indivíduo autodeterminado, livre e consciente, é transformado em um tutelado do Estado, precisando que defendam "os valores de sua família". Já não lhe é dado dizer o que quer ou não assistir, consumir, ler, ouvir: há o CENSOR que, cônscio e responsável, vai dizer o que PODE e o que NÃO PODE. Se um adulto quiser assistir ao estupro simulado de um boneco nas telas, não poderá. O Censor viu por ele e decidiu, "aquilo ofende a família e seus valores". É evidente que isso não é democracia (nem mesmo a limitada liberal-burguesa) mas algo mais próximo de um Estado Totalitário.

Em "Lanterna Verde", o vilão principal, Parallax, alimentava-se dos miasmas do medo. Ter medo diante dele era fatal para a vítima, pois seria mortalmente tragada. Os Censores de todos os tipos -mesmo os das pseudodemocracias- são assim também. Alimentam-se de medo, o medo de pensar de forma autônoma e diferente.

2 comentários:

Breno Corrêa disse...

Fala pra nois, como burlar o censor? rs

J.L.Tejo disse...

É que nem a música da Plebe Rude: "A censura, a única entidade que ninguém censura".

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