Eu acho que o "heroi ideal" -nas artes em geral, do cinema aos quadrinhos- é aquele com o qual nos identificamos. Na arte queremos ver a sublimação da vida, e é fundamental para isso que haja um mínimo que seja de identidade com a vida aqui fora; sem verossimilhança, não se cumpre esse papel. Não é abrir mão da fantasia (até pelo contrário): mas sim que possamos nos identificar com a fantasia. A vida real é feia, muito feia, sofre-se e chora-se, comemos o pão que o diabo amassou; se o heroi na tela (ou nas páginas do livro, dos comics etc.) não passam por isso, não é possível que nos identifiquemos com ele. O Homem-Aranha é popular por ser um heroi que tem dificuldades para pagar contas (além do nerd inseguro que Peter Parker é, no filme de Sam Remi), assim como, em outra dimensão do mito heroico, Arjuna é humano por ter dúvidas- o Bhagavad Gita é a história de Krishna convencendo-o a ser engajar em combate. E Heitor de Troia na Ilíada: não é o implacável e invencível Aquiles o personagem principal, apesar de mais famoso. E sim Heitor, que mesmo pressentindo a morte, tomado de preocupação pela mulher e filho, combate na linha de frente; porque a defesa da pátria é o certo. Heitor que mesmo valoroso também sente medo e foge mas que, no momento fatal, encara a morte de peito aberto; isso é ser humano, ser gente como a gente. O filme Troia, com Eric Bana como Heitor, mostrou um pouco disso, mas obviamente muito aquém da Ilíada.
Dentro dessa ótica, um dos personagens mais humanos que conheço da literatura é o pescador de "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. A velhice por si só é uma coisa comovente, ainda mais se tratando de um idoso pescador curtido pelo sol; e sob uma maré de azar, ainda por cima. Dias e dias sem uma pesca exitosa, convertendo-se aos poucos na chacota da aldeia. Mas o velho não se entrega: cada dia de tentativa pode ser o dia da vitória.