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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

De peças de fantasia ao cair da tarde


Desde que li, anos atrás, que música clássica estimula as ondas alfa do cérebro, facilitando a concentração, passei a estudar acompanhado de Mozart, Chopin e quejandos. A coisa vai para além do aspecto funcional, é claro; passa-se a amar tudo aquilo e cá estamos, distraídos dos livros, detidos na melodia. Em outro post, em outro blog, falei de meu encanto por um trabalho em especial de Bach, e aproveitei para transcrever um poema que fiz sobre Mozart. Mesmo que deixemos de lado o tom metafísico que, reconheço, aparece naquele post -Kardec é citado- creio que não podemos negar a capacidade da música clássica de nos levar além. Hoje volto ao tema, mas não é Mozart nem Bach, e sim Schumann.

Sim, hoje: fim de tarde no escritório, lendo processo penal. Schumann no Winamp e incenso indiano. Não há como não ser tomado pelo clima etéreo que a tudo envolve. São as Peças de Fantasia. Deixo o livro e me lembro de cenas repetidas anos, anos atrás; quando eu ainda cismava de fazer concurso público e, evidentemente, tendo lido sobre as ditas ondas alfa, estudava ouvindo música clássica. Lembro que eu fazia turnos de uma hora, a tal "hora líquida" dos concursandos, contadinha no relógio. Como nunca fui de estudo -gostar de ler é uma coisa, estudar em regime espartano é outra- acabava que utilizava o CD como medida de tempo e, conforme me habituava à sequência das músicas, sabia quando o ciclo de uma hora se encerrava. Quando entrava Schumann era um alívio: sabia que, mais alguns minutos depois, o alarme tocaria avisando que a tortura chegara ao fim. O órgão de Schumann, então, se tornou para mim quase um sinônimo de liberdade.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Leninismo e críticas "pela esquerda"


Joycemar Tejo
outubro de 2013

Há crítica e críticas. Umas para destruir, outras para ajudar, algumas injustas, outras, bem fundamentadas. Os marxistas não deveriam se melindrar com as críticas, sendo o confronto de ideias a "alma da dialética" (Adam Schaff). Coisa diferente é a agressão gratuita: nesses casos, manda-se à merda e está tudo bem. Não se pode agradar a gregos e troianos. Desafetos sempre existirão, pelos mais diversos motivos, inclusive pelo simples "não ir com a cara". Mas os cães ladram e a caravana passa, de modo que nossa proteção contra o, digamos assim, veneno alheio, está em nosso próprio proceder. Nesse sentido me vem à memória uma anedota árabe. O profeta pedia a Deus, toda noite, "Senhor, livrai-me da língua dos caluniadores", ao que Deus um dia responde, "meu filho, queres ser melhor que eu?".

Dito isso, entendam: o comentário negativo é inevitável. O que não quer dizer que não possamos tirar algumas lições dele, e nesse sentido, para mim que sou leninista, considero oportunos os comentários por parte dos anarquistas e dos comunistas "de esquerda". Esquerdistas infantis que sejam, têm a acrescentar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Versos dos túmulos


Dedicado a Roberta Affonso
e a todos os que sonham
com as brumas de Avalon

Os seguintes "Versos dos túmulos" são parte integrante do Livro Negro de Carmarthen, documento galês do século XIII que registra mitos do folclore celta. Traduzi para o português a partir desta versão em inglês, que é a mesma que aparece no "Sacred Texts" (aqui), que a aponta como oriunda da edição de "Four Ancient Books of Wales" por William Forbes Skene (1864 [68?]). O original galês está aqui. Desde já deixo claro que minha tradução é livre, inexata e descompromissada. Pelo que apurei, a Wikipedia (ela própria uma fonte nunca muito exata) aponta outras versões, de Thomas Jones e Ernest Rhys e, como pude perceber, os versos parecem não bater com a versão utilizada aqui. Neste link, por sua vez, há um raivoso debate em um fórum de discussão (como sói acontecer, e por isso evito ao máximo esses insuportáveis antros de sabichões) em torno de etimologias, significados, traduções etc. Mas nada disso me importa: deixemos o rigor para os pesquisadores, pois não temos aqui pretensões acadêmicas. Mais informações sobre o Livro Negro, em português, aqui.

Quem seguir na leitura dos versos -que são algo como uma lista, um rol, dos herois celtas e seus lugares de repouso- verá que alguns personagens do ciclo arturiano são citados. Na estrofe oitava, Gwalchmai, aka Sir Gawain, na décima segunda, Bedwyr, aka Sir Bedevere, e, na quadragésima quarta, Rei Arthur em pessoa. É dito que seu local de repouso, se é que existe, é desconhecido pela humanidade. É que se acreditava que Arthur ainda vive e, oportunamente, voltaria para salvar seu povo.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Desarmamento e pacifismo


Uma coisa facilmente constatável é que o campo de assuntos inseridos no tema "defesa" -armas de fogo, equipamento e estratégia militares etc.- é quase absolutamente tomado pela direita. Assim como nos EUA, da secular National Rifle Associaton, o interesse por esses assuntos parece estar restrito às vozes conservadoras da sociedade. A esquerda (aqui falo em sentido lato), talvez tomada por escrúpulos politicamente corretos, deixa o campo livre e não tem uma posição a respeito, ou, quando tem, é a partir de premissas erradas, o que leva a conclusões igualmente erradas.

A direita, pois, defende o armamento da população. Por isso a esquerda não deve igualmente defender? Ao contrário.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O tabu da prostituição


O dogma só tem razão de ser diante da religião, religião aqui como conjunto de "verdades absolutas" contra as quais não cabe divergência. É porque é e ponto final. Há religiosos em todos os campos, da política à religião propriamente dita (claro). É o reino do pensamento binário, A ou B, isso ou aquilo, como se a vida não comportasse terceiras, quartas e quintas possibilidades distintas. Não há nada mais estranho ao marxismo do que o pensamento binário. A discussão e a colisão de concepções é, como diz Adam Schaff, "a alma da dialética" e, como tal, deve ser respeitada "sobretudo por marxistas". Mais que isso, prossegue Schaff,

é realmente estranho procurar substituir por decretos a busca pela verdade, o que só se pode realizar com luta, em geral com o uso do método de experiência e erro. E com que base? Poderíamos perdoar tal procedimento, em última análise, nos religiosos, mas jamais nos marxistas.

Grifo meu, todos os trechos d'"O Marxismo e o Indivíduo". O burocrata, o religioso, substituem o debate pela canetada, pelo decreto; não o marxista. Dito isso, falaremos aqui de um desses assuntos que têm recebido abordagem binária, a prostituição, que, se nunca saiu de evidência, está ainda mais na crista da onda em razão da "Lei Gabriela Leite", PL 4.211/ 12, projeto de lei de iniciativa de Jean Wyllys do PSOL (teor aqui), buscando regulamentar a atividade dos profissionais do sexo. A própria esquerda aborda o tema de forma rasteira, o que é imperdoável.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Engels e a questão do voto


Joycemar Tejo
abril de 2013

Vejamos o seguinte trecho:

Já podemos contar com 2 1/4 milhões de eleitores. Se isto continuar assim, conquistaremos até ao fim do século a maior parte das camadas médias da sociedade, tanto os pequenos burgueses como os pequenos camponeses, e transformar-nos-emos na força decisiva do país perante a qual todas as outras forças, quer queiram ou não, terão de se inclinar. Manter ininterruptamente este crescimento até que de si mesmo se torne mais forte que o sistema de governo actual, não desgastar em lutas de vanguarda esta força de choque que dia a dia se reforça, mas sim mantê-la intacta até ao dia da decisão, é a nossa principal tarefa (...) A ironia da história universal põe tudo de cabeça para baixo. Nós, os "revolucionários", os "subversivos", prosperamos muito melhor com os meios legais do que com os ilegais e a subversão. Os partidos da ordem, como eles se intitulam, afundam-se com a legalidade que eles próprios criaram.

sábado, 30 de março de 2013

Direitos humanos e fundamentalismo


Continua, até o presente momento, a infâmia que é a presença do pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Tem as costas quentes, a poderosa frente parlamentar evangélica, com seus 70 milhões de votos, conforme seus líderes fazem questão de frisar como chantagem política (ver o post do Lungaretti). O objetivo dos fundamentalistas, ao se aferrarem com unhas e dentes à Comissão, não é outro senão refrear os debates e avanços no campo dos DH's no País. É a raposa tomando conta do galinheiro, é o discurso medieval tomando conta das minorias e reivindicações.

Reparem que falo em fundamentalistas; evito a generalização do termo "evangélicos". Se é verdade que em regra o discurso religioso está tomado de fundamentalismo, essa associação não é decisiva, pois temos religiosos que não só refutam o fundamentalismo como adotam uma posição progressista. Veja-se por exemplo o Hermes Fernandes (aqui) que, sem abrir mão de sua visão teológica, é quase um oásis no oceano obscurantista evangélico brasileiro. O fundamentalista, que tem Marco Feliciano como representante, é de outro estofo: é o "dono da verdade", a qual, por mandato divino, tem o DEVER de impor aos outros. Para o próprio bem dos pecadores, mesmo que não saibam disso. Assim, os sinistros torquemadas do século XXI vão ganhando espaço, nas rádios e tevês, no parlamento e, quem sabe em breve, queimando-nos a todos nas "santas fogueiras de Israel".

segunda-feira, 25 de março de 2013

O ocaso do Orkut


Leio -mas já tinha percebido há muito- sobre a falência do Orkut, essa outrora grande rede social. A web é pródiga em modismos; os usuários pulam de novidade em novidade, sempre atrás da "próxima grande coisa". O Twitter estava na crista da onda há pouco, por exemplo, hoje vejo que está meio "devagar". O Facebook -que mereceu até filme incensado pela mídia- não fugirá à regra. Eu, como qualquer pessoa, não estou imune ao apelo universal da "novidade", mas tento manter uma visão crítica e, na medida do possível, contramajoritária. Afinal as unanimidades são burras e as novidades são apostas do mercado- não podemos ser títeres disso.

O Orkut -que, claro, também foi uma aposta do mercado, o gigante controverso Google- ainda mantém sua atração para mim. Abri meu perfil em 2005, e desde então fui usuário "fiel". Os atrativos eram muitos: não apenas a possibilidade de travar contato com pessoas não apenas do Brasil como do mundo inteiro, como também a riqueza na diversidade de suas comunidades de discussão. Esse era definitivamente o maior atrativo para mim. Não posso lembrar, evidentemente, a quantidade e teor de todos os debates "virtuais" dos quais participei, mas há reminiscências que não perdem a força.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Minha filosofia - II


Na ausência de um "sentido" metafísico, de um "plano" divino para nossas vidas, é muito fácil cair no desespero. Sem uma rede de segurança, somos obrigados a, antes de tudo, compreender e aceitar a realidade para, então, transformá-la (se possível). O materialismo aqui, afinal, deve ser o dialético de Marx, revolucionário, e não o materialismo -às raias, que contradição, do idealismo- contemplativo de Feuerbach. Essa nova abordagem leva a uma postura diferente diante da vida. Consiste nisto: se não há recompensas post mortem, se tudo se exaure com a morte (o ser humano sendo único e irrepetível, como diz Adam Schaff ; uma vez morto, nada nunca mais lhe será idêntico), temos que simplesmente não vale a pena esquentarmos a cabeça

O desespero dá lugar à serenidade. É questão apenas de mudar o foco.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Minha filosofia - I


Não é fácil passar de uma abordagem religiosa para a "arreligiosa" (mas não antirreligiosa, que é coisa diversa). Deixar de lado a crença -qualquer que seja- é duro, porque é justamente ela que nos dá a base, nos dá confiança, nos dá explicações sobre a vida e seus desígnios. Mas experimentemos abdicar disso; experimentemos aceitar que não há nada "por trás", nem vontade ou plano divino... A vida é isto que está aí. Boa ou ruim, melhorar ou piorar, é tudo questão de opinião e, principalmente, questão de nós (e apenas nós) agirmos para mudar. Isso se der para mudar: há coisas além da atuação humana, doenças incuráveis, por exemplo, e não há "milagre" que resolva. Não é difícil? Pois atribuir o insucesso ao karma, ao diabo, ao "foi assim porque Deus quis" é muito mais reconfortante. Abrir mão desse conforto é, num primeiro momento (e segundos e terceiros) angustiante. Mas talvez nada mais reste senão encarar os fatos, pois é preferível ser o angustiado realista ao tranquilo iludido. É que a verdade é sempre a melhor saída, a melhor opção; só ela é revolucionária.

Eu passei por esse processo. Quando, em dado momento de minha vida, cheguei à conclusão de que, se não há resposta, é porque simplesmente não há quem venha a responder. Ou, há mas não responde por força de seus "desígnios", e, se não há nada ou se há e não responde, não faz diferença alguma pragmaticamente falando. Deus existir, portanto, se torna supérfluo. E o que é supérfluo pode, e deve, ser descartado.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

De socialismos de mercado


Joycemar Tejo
janeiro de 2013

Por que insistir em que façamos uma análise não-binária do mundo? Porque a forma mais fácil de encarar a vida é se deixar levar pela aparência, pelo apresentado, pelo dado. Mas o fácil não é sinônimo de acertado; muito pelo contrário, a realidade é complexa, sinuosa, não-linear. É dialética, em outras palavras.

O intróito é necessário porque este post -o primeiro do ano- tem como tema a China. Pois a China tem sido abordada sob uma ótica simplista, que ilude tanto a direita quanto a esquerda: essa ótica simplista que dá ao país a caracterização de "comunista". E por que não seria comunista, se é uma autodenominada "república popular" e tem um PC no poder? Ocorre que nem a autodenominação nem o bloco no poder -a "aparência"- bastam para configurar a "essência" de dada experiência. É esse o ponto.

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