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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A divindade no volume máximo


Na cama no quarto escuro: para combater o tédio recorro ao aparelho de MP4. Fones devidamente encaixados, volume no tom razoável, vasculho as pastas virtuais atrás de um som adequado para o momento, e então me decido- entre o hardcore californiano do Bad Religion e o soft rock setentista do America, o chamado da Mãe África reverbera na escuridão do quarto: seleciono a pasta de pontos de Umbanda.

Uma coisa a considerar: eu disse Mãe África, mas não considero a Umbanda estritamente africana. Ela também é africana, mas exorbitou os limites geográficos; em verdade, é a única religião brasileira (com inclinação à universalidade), conforme agregou ao seu panteão ritualístico não só os negros, como a herança indígena e também a referência europeia (na trilogia ocultismo - catolicismo - kardecismo). É uma religião de oprimidos, e já no berço; desde o fato concreto dos escravos precisarem camuflar suas crenças recorrendo à terminologia católica até o fato, metafísico -portanto questão de crença- da manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, na Federação Espírita de Niteroi em 1908, no Rio de Janeiro, contra a discriminação que as Entidades ditas pouco evoluídas sofriam nas mesas kardecistas, a Umbanda sempre falou aos estratos marginalizados da sociedade. É o materialismo histórico puro: o índio (na figura do Caboclo), o negro (como Preto-velho), o malandro marginalizado (como Exu), todas as figuras historicamente relegadas a segundo plano na vida social brasileira encontram, na Umbanda, espaço para respeito e deferência.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

De socialismos monárquicos


Joycemar Tejo
janeiro de 2012

Morre Kim Jong-Il da Coreia do Norte. Como é de praxe, penso que ao analisar a experiência norte-coreana devemos evitar saídas simplistas ou reducionistas: o método deve ser o dialético e não o binário. Vejo muitos desprezando as informações que nos chegam do país, porque partiriam dos meios de comunicação burgueses: organizações Globo, Veja etc. Daí vão se refugiar, ora ora, nos meios de comunicação oficiais... norte-coreanos. Em ambos os casos a imparcialidade -se é que há órgão de informação imparcial desde que a imprensa existe- fica comprometida, e as coisas acabam por se reduzir a uma escolha, uma opção, acredito "nisto" mas não "naquilo".

A posição dos marxistas revolucionários é apenas uma: ao lado da classe trabalhadora. Os comunistas não têm outros interesses que não sejam os interesses do proletariado ("Manifesto Comunista"), e o proletariado é uma classe, não um partido ou um indivíduo. A luta é pela emancipação da classe trabalhadora -que redunda na emancipação da espécie humana como um todo- e se essa tarefa é colocada nas mãos de um líder ou partido, não há emancipação em absoluto: continuamos rebanhos à espera de messias. Já na Coreia do Norte o culto à personalidade exorbita, por incrível que pareça, o stalinismo soviético (que produziu editoriais do Pravda como "se você estiver cansado, pense em Stálin e encontrará novas forças..."): basta que se diga que o marco inicial do calendário do país é o nascimento de Kim Il-Sung, fundador do socialismo norte-coreano (e uma experiência socialista ter um "fundador" já é sintoma claro de deformação) e que de Kim Il-Sung o poder supremo passou a seu filho, o recém-falecido Kim Jong-Il, e deste para seu rebento, Kim Jong-Un.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Inventário 2011


O tempo é uma convenção humana. Os critérios utilizados para demarcar a passagem de tempo têm origem na natureza -movimentos de rotação, translação, fases da lua etc.- mas foram os homens que fizeram disso marcos para suas vidas. Por exemplo, a cada 365 dias ei-nos comemorando aniversários (e é poético pensar que cada aniversário é uma volta dada em torno do sol) ou fazendo resoluções pra o novo ano que se inicia. Agora, por que precisamos esperar o decurso de 365 dias para, só então, implementarmos mudanças em nossas vidas é realmente um mistério. "Ano que vem farei isso ou serei isso", tal é a fórmula dos acomodados de todo tipo. A palavra é feia mas é esta mesma: procrastinação. Há essa convenção humana que diz que virar a folhinha do calendário, esse simples ato, muda nossas vidas. Mas vem a decepção quando o 01 de janeiro se mostra exatamente igual ao 31 de dezembro.

Mas sigamos a convenção e façamos o balanço do ano que termina. Há uma importância nisso: se a História se repete como farsa, e, mais que isso, se os mortos governam os vivos -é o que nos ensina Marx no "18 Brumário de Luís Bonaparte"- é fundamental, ou no mínimo útil, conhecer o passado. Para que, com vista nele, possamos dar ao futuro outro rumo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Abaixo a poesia cor-de-rosa


Maiakovsky, em "A plenos pulmões", faz a oposição entre os versos "de donzela", digamos assim, e a poesia engajada, politizada, que escrevia. Diz que sacrificou sua verve lírica em prol da revolução comunista -e conclui o poema apresentando ao Comitê Central do futuro não o registro partidário, mas seus versos militantes- assim como, diante do horror nazista, Brecht negligenciou poemas sobre macieiras em flor em prol da denúncia política (como em "Mau tempo para poesia", aqui).

É um questão de compromisso moral. Diante das demandas concretas do cotidiano -guerras e revoluções, lutas e luto, entusiasmo e angústia- seria desrespeitoso, ou ao menos mostra de alienação, voltar-se para outros assuntos que não aqueles colocados na ordem do dia. Como falar de amor se as bombas caem, de namorados se o nazifascismo bate à porta? E eis os poetas assassinando a Musa pelas contingências da vida.

Não se pode exagerar, todavia. A arte tem justamente o poder de aliviar o cotidiado. É um bálsamo. O homem não pode viver sem arte, os "músicos mil vezes milenares" que, com junco, fizeram flautas, como diz Roger Garaudy, mostram que a manifestação artística é inerente ao ser humano. Um mundo sem arte seria um túmulo (já um mundo sem breganejo seria um lugar melhor, mas isso é outra história). Penso que no meio da dor pode caber um pouco de lirismo, e entre tiroteios se pode ter tempo para o sentimento. "Filmes de guerra, canções de amor", como no disco dos Engenheiros do Hawaii. É preciso achar o equilíbrio.

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