Na cama no quarto escuro: para combater o tédio recorro ao aparelho de MP4. Fones devidamente encaixados, volume no tom razoável, vasculho as pastas virtuais atrás de um som adequado para o momento, e então me decido- entre o hardcore californiano do Bad Religion e o soft rock setentista do America, o chamado da Mãe África reverbera na escuridão do quarto: seleciono a pasta de pontos de Umbanda.
Uma coisa a considerar: eu disse Mãe África, mas não considero a Umbanda estritamente africana. Ela também é africana, mas exorbitou os limites geográficos; em verdade, é a única religião brasileira (com inclinação à universalidade), conforme agregou ao seu panteão ritualístico não só os negros, como a herança indígena e também a referência europeia (na trilogia ocultismo - catolicismo - kardecismo). É uma religião de oprimidos, e já no berço; desde o fato concreto dos escravos precisarem camuflar suas crenças recorrendo à terminologia católica até o fato, metafísico -portanto questão de crença- da manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, na Federação Espírita de Niteroi em 1908, no Rio de Janeiro, contra a discriminação que as Entidades ditas pouco evoluídas sofriam nas mesas kardecistas, a Umbanda sempre falou aos estratos marginalizados da sociedade. É o materialismo histórico puro: o índio (na figura do Caboclo), o negro (como Preto-velho), o malandro marginalizado (como Exu), todas as figuras historicamente relegadas a segundo plano na vida social brasileira encontram, na Umbanda, espaço para respeito e deferência.