Gostaria de estar com o gorro, mas ela não me deixou trazer: não gostava dele, me dava uma aparência de marginal, segundo dizia. O jeito foi encarar o frio de blusa de flanela apenas, mãos apertadas no bolso, após embarcá-la no ônibus para o trabalho. É a sina dos profissionais de educação da rede pública, acordar antes do galo cantar e embarcar, sonolentos, em ônibus pelas madrugadas geladas. Após colocá-la no veículo, tomei o rumo de casa, ruas desertas conforme me afasto da Central do Brasil, o frio glacial a ponto de esfumaçar a respiração. Já na minha rua ainda estava escuro, e naquela penumbra arborizada da Rua Paula Matos me senti caminhando pelas matas do próprio
Lago Walden. Enfim chego, o lar, para dormir mais um pouco; mas para os professores da rede pública já começava o dia, turmas superlotadas de crianças, péssimas condições de trabalho- e muito assédio moral.
Eu tenho um respeito, às raias da veneração, pela profissão de professor. Ensinar uma pessoa a ler é nada mais nada menos que lhe abrir os olhos para o mundo. Tipo, dar asas. Bonito pensar que tudo que li até aqui -das leituras mais herméticas, dos mais variados campos do conhecimento, ao meu gibi do Demolidor- teve origem, lá atrás, nos métodos da Tia Rosita, na classe de alfabetização no Colégio Planck-Einstein em Copacabana. Aquela senhora -já era senhora na época- tem sua presença, marcada indelevelmente, em toda minha atividade, não só intelectual mas consciente. Do "'a' faz a abelhinha" chegamos a Robert Alexy.