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quinta-feira, 8 de março de 2012

Pontos sobre o reformismo


1. Qualquer postura marxista pressupõe necessariamente o engajamento na derrocada revolucionária do capitalismo; não se trata de aperfeiçoá-lo, humanizá-lo ou, menos ainda, de desenvolvê-lo. O papel dos marxistas é pela superação do sistema, erguendo, sobre suas bases, a nova sociedade.

2. Por isso, é incompatível com o marxismo qualquer visão nacional-desenvolvimentista, que pressupõe uma aliança com setores burgueses "progressistas" da sociedade. Tal filosofia, sinônimo do conciliacionismo de classe mais crasso, se já era equivocada nos anos 40-60, hoje em dia adota caráter absurdo, haja vista a impossibilidade de se falar, hodiernamente, em uma burguesia "nacional", diante da globalização do capital e da inserção das economias nacionais no cenário internacional (o que não impede que haja, pontualmente, contradições entre as diversas burguesias). Ademais, o pensamento nacional-desenvolvimentista, pelos marxistas, significaria a adoção da visão etapista, enxergando a evolução da sociedade (rumo ao socialismo) como um processus mecânico e fatalista:

A formação de uma economia de mercado nas bases previstas pelo nacional-desenvolvimentismo era compreendida pela esquerda como um elemento de maturação das condições necessárias à construção de uma experiência socialista no Brasil. (Apud Bruno J. C. Oliveira, "Os fundamentos de uma derrota: uma análise sobre o nacional-desenvolvimentismo brasileiro", aqui).

Mentalidade que não leva em conta, como se vê, a lei do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo que vem, justamente, refutar qualquer mecanicismo etapista. Seja pela impossibilidade de se destacar uma burguesia nacional "progressista" independente do capital internacional, seja pela conciliação de classes que pressupõe, o "nacional-desenvolvimentismo brasileiro conformou-se como um projeto inviável historicamente" (Bruno J. C. Oliveira, idem).

3. O mesmo vale para o chamado "neodesenvolvimentismo", que seria "o desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal" ("As contradições da frente neodesenvolvimentista", Armando Boito Jr., aqui), onde igualmente se concebe uma ampla aliança com setores da burguesia "interna".

4. Nesse sentido, é reformista o projeto do PCdoB, que prega o "crescimento econômico" via um "Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento" ("Quem é e o que quer o Partido Comunista do Brasil", aqui), buscando a "unidade das forças democráticas e progressistas" ("Resolução Política sobre a situação conjuntural do Brasil", aqui).

5. Pelo mesmo motivo, é claramente reformista a experiência chinesa ("via chinesa de socialismo", "economia socialista de mercado" etc), cujo crescimento econômico inegável se dá dentro da tradição capitalista mais selvagem. Não se trata, aqui, de um socialismo com elementos transitórios (ou mesmo duradouros, mas em todo caso elementos) e emergenciais de capitalismo -como seria o caso da NEP russa- mas, ao contrário, de um capitalismo com elementos de socialismo ou, quando muito, uma formação híbrida. Assim, fica no campo do puro idealismo declarações como as de Domenico Losurdo ("Capital polêmico na China", jornal "O Globo", março de 2005), ao dizer que uma das "provas" da existência do socialismo chinês é o partido governante ser um "PC". Esquece que a existência determina a consciência e não o contrário, e que é a prática o critério da verdade; chamar o cordeiro de leão não transforma o cordeiro em leão, assim como, por exemplo, o PPS brasileiro não é "popular" nem "socialista", não obstante seu nome.

6. O revisionismo chinês tem raízes mais profundas, como se vê na declaração de Mao Tsé-tung de que o setor privado deve "ser encorajado e recompensado" ("A Nossa Política Econômica", 1934, aqui), em razão do atraso material chinês. Não é papel dos marxistas construir o socialismo fomentando o capitalismo, haja vista que são sistemas antagônicos. A já citada NEP foi utilizada em caráter emergencial, e Lênin jamais deixou, externando sua preocupação com o ascenso dos elementos capitalistas, de colocar a pergunta: "Quem vencerá?" ("The New Economic Policy", aqui).

7. A revolução socialista em países atrasados encontrará diante de si a tarefa de desenvolver as forças produtivas; afinal, socialismo não é socializar a indigência (Marx). Mas tal desenvolvimento se obterá, a) em bases socialistas e não capitalistas (aspecto vertical da revolução permanente), b) imprescindirá da revolução nos países adiantados (e jamais se realizará em "um só país", aspecto horizontal da revolução permanente).

8. Conforme explica Trotsky ("A Revolução Traída") referindo-se às tarefas da Revolução Russa:

A socialização dos meios de produção tornou-se a condição necessária prévia para retirar o país da barbárie: esta é a lei do desenvolvimento desigual e combinado nos países atrasados.

Não se desenvolver para socializar; ao contrário, se socializar para se desenvolver. A burguesia, nesse sentido, não tem nenhum papel "progressista" a cumprir, salvo ser expropriada revolucionariamente.

9. Marx no "18 Brumário": não se pode dar a uma classe sem tirar de outra. Estando a sociedade (inclusive a socialista) cindida em classes, qualquer projeto que almeje o socialismo mediante o fomento de classes antagônicas e/ ou a conciliação com as mesmas, à luz do marxismo ("marxismo revolucionário" é expressão redundante) é reformista, espécie do gênero revisionismo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei. O item 1 nos serve de base para todos os outros. Já o item 6 me chamou a atenção, pois Losurdo é o tipo de stalinista (talvez o único) por quem tenho respeito. Mas realmente, dizer que a China é um país socialista apenas por ter um PC no poder é o mesmo que dizer que uma figura cômica como o Chavez é leninista só por ter quadros do Lênin pregados na parede ou que o PCdoB ainda é comunista só por usar a bandeira vermelha com a foice e o martelo como símbolo.

J.L.Tejo disse...

Losurdo cita outros elementos, dentro do malabarismo teórico próprio dos fãs do "socialismo de mercado". E um deles, totalmente subjetivo, é ser um "PC" no poder.

São os comunistas "metafísicos": basta estampar a foice e o martelo que todos os pecados são perdoados.

Willian Alves de Almeida disse...

Interessante comentários... Será que a Lenna ainda mantém a mesma posição sobre o Losurdo? Eu ainda concordo com a análise feita por ti, Tejo.

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