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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Da redução da maioridade penal


Eu adoto o enfoque do direito penal mínimo: sou contra a criação de novos tipos penais, contra mais e maiores penas, enfim, contra o recrudescimento da política criminal. Há dois bons motivos para isso: o primeiro, de sentido mais pragmático, é a evidência cabal de que o direito penal não resolve as mazelas sociais; as piores penas e os piores cárceres são inúteis como política preventiva. Além de inúteis, mais leis penais servem também para desmoralizar o próprio sistema jurídico-penal: a vulgarização do direito penal leva ao seu descrédito, como diz Nucci. O segundo motivo é uma opção classista: o direito penal tem como "cliente" prioritário a classe trabalhadora. É contra o proletariado que o "longo braço da lei" desce o sarrafo com mais afã, e é o proletariado que lota os presídios (e não os Naji Nahas e Daniel Dantas da vida). O direito penal, assim, acaba servindo, aos grupos dominantes, como uma medida de higienização social. Por isso, também, sou a favor de um direito penal mínimo.

Contudo, há um assunto, polêmico, com o qual estou inclinado (mas não convencido) a concordar. Se implementado, significará justamente o recrudescimento da política criminal. É a redução da maioridade penal. E por que eu estaria inclinado a concordar com isso? Posso apresentar três argumentos favoráveis.

PRIMEIRO: atualização da norma. O Código Penal vigente é de 1940. Parece evidente que uma pessoa de 18 anos, à época, não tinha o acesso à informação que uma, com a mesma idade nos anos 2010's globalizados, tem. A passagem do tempo -para o bem e para o mal- traz consigo toda uma evolução dos costumes, de modo que algo absurdo na década de 40 passa a ser considerado normal e rotineiro nos dias de hoje, e os exemplos são inúmeros. Alguém de 18 naquela época não pensa como alguém de 18 hoje. O acesso à informação nos tornou muito mais precoces. Não é razoável, hoje, sustentar que um menor de 17 anos e 364 dias de vida não tenha consciência de seus atos.

O Direito existe para a sociedade e, estando essa em mutação constante, aquele também deve acompanhar o ritmo. A absurda expressão "mulher honesta", para significar a única suscetível do crime de estupro, saiu do Código Penal: seria um anacronismo aviltante conservá-la na lei (falei disso no blog jurídico, aqui). Pela mesma evolução dos costumes, não se pode achar que alguém de 18 anos hoje tenha a mesma carga de ingenuidade e candidez de alguém de 18 anos há mais de meio século atrás.

SEGUNDO: coerência sistêmica. Como é natural, os jovens buscam mais e mais direitos; mas isso, salvo melhor juízo, deve vir acompanhado de mais responsabilidade. Não se pode fazer "semi-cidadãos", ou "cidadãos até um ponto", ou "cidadãos até onde convém" (a legislação civil de certo modo faz isso, com a figura do relativamente incapaz, o lapso de tempo entre os 16 e 18 anos- art. 4º, I, do Código Civil). O voto aos 16 anos foi uma vitória, com certeza. Mas eis que temos uma incongruência: o indivíduo é capaz de escolher o Presidente, cargo máximo da República, mas não de responder pelos seus atos. Há maturidade e discernimento para uma coisa e não para outra? Onde está o divisor de águas?

Longe de esgotar o assunto: o Direito tem como escopo a organização da vida social, na definição de C. Beviláqua. O ordenamento jurídico, portanto, qualquer que seja -incluindo o socialista e mesmo o comunista, com a vênia de juristas como E. Pasukanis, que sustentam que o fim da sociedade de classes é o fim do Direito- deve primar pela coerência, evitando assim anomias e antinomias. Sem coerência se cai no caos ou no arbítrio, ou em ambos; além da incoerência ser deseducadora e oportunista (isto é, a norma vale para uma coisa mas não vale para outra, ou só vale quando quero etc.). Assim: ou o indivíduo de 16 é consciente de seus atos, ou não.

TERCEIRO: questão protetiva. Grupos criminosos exploram a inimputabilidade de menores para utilizá-los em condutas delitivas. Os menores são, assim, uma mão-de-obra barata e extremamente descartável, com a vantagem de que, caso capturados, em muito pouco tempo estarão de volta às ruas. Ao invés de proteger os menores, a maioridade apenas aos 18 acaba por torná-los presas fáceis dessa exploração.

*

Os três argumentos que apresentei acima são defeituosos e plenamente suscetíveis de contraargumentação. Mas não são absurdos, e isso basta para dimensionar o problema. Como disse no início, estou inclinado a entender como mais razoável a redução da maioridade penal para os 16 anos (abstraindo o fato de que seria uma medida quase inviável, haja vista os impedimentos constitucionais); mas estou longe de estar convencido disso.

Em todo caso: não é porque algo é razoável que, necessariamente, deva ser desejável. As coisas nem sempre coincidem. Razoável que seja, a redução da maioridade penal viria na contramão da tendência moderna do direito penal mínimo. Ainda assim é um assunto que deve ser discutido, pois devemos fugir dos tabus como o diabo da cruz.

2 comentários:

Vera Moreira Figueira disse...

Com certeza o jovem de hoje tem mais informação do que o de 1940, mas acho que maior informação não gera necessariamente maior responsabilidade. Acredito,sim, que a QUALIDADE da informação possa trazer responsabilidade. Meninos que crescem vendo desenhos animados onde a violência é uma diversão, meninos que vão ao cinema para ver "Jogos Mortais" e afins, meninos que assistem Malhação e assemelhados, não me parece que tenham uma informação que lhes forneça um mínimo de senso de responsabilidade, cidadania, solidariedade. Meninos ricos que matam seus pais por dinheiro, pais que matam seus filhos pequenos por desavenças pessoais me passam a impressão de que o problema é de uma sociedade que está se tornando mais violenta,com vínculos familiares e afetivos precários, uma sociedade que torna o indivíduo solitário em seu computador, em seu smartphone cheio de joguinhos,etc. Enfim, creio que não se trata de responsabilizar o menor, mas dar senso de responsabilidade e de humanidade a crianças, adolescentes,adultos. Há um ditado que diz que colhemos o que plantamos. Lamentavelmente, estamos colhendo o que plantamos. Somos uma sociedade a ser repensada.

Vanna disse...

Amigo, como sempre bem escrito teu texto. Concordo q se deva discutir bastante sobre o assunto, mas aceito teus argumentos pra acatar a mudança.
Bjs

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