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domingo, 25 de março de 2012

Todas as formas de luta


Joycemar Tejo
março de 2012

É preferível, em uma batalha, estar com um M16 a estar com um .38 obsoleto. Mas se não há um M16 às mãos, devemos nos virar com o que temos e, se necessário, até com paus e pedras. Como tudo na vida, as escolhas dependem necessariamente do leque de opções e, quando a situação aperta, devemos utilizar o que for possível. A metáfora bélica é para lembrar que, seja na guerra real ou na figurada, nós que reivindicamos o marxismo como instrumento de transformação da sociedade devemos, também, saber utilizar as armas que temos, não descartando nenhuma a priori- conquanto, naturalmente, que seu uso não consista em traição de princípios nem em obstáculo indireto à estratégia colocada.

Gosto de usar como exemplo, e não por acaso, por ser meu campo de estudo, o Direito. Os marxistas sabemos que a emancipação humana e o fim da opressão do homem pelo homem (e todas as mazelas decorrentes dessa opressão, homofobia e as diversas discriminações, abismo entre trabalho manual e intelectual etc.) só podem se dar em outros moldes, em outro formato, vale dizer, em outro sistema de produção. Não se pode chegar a esses objetivos dentro do capitalismo, pois tal panorama é intrínseco ao sistema. Faz parte dele, logo é preciso mudá-lo. Mas ocorre o seguinte: mesmo dentro do sistema, é possível, pouco e limitadamente que seja (afinal, tratam-se de características imanentes), enfrentar tais mazelas, através de ferramentas que o próprio sistema coloca à disposição.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Pontos sobre o reformismo


1. Qualquer postura marxista pressupõe necessariamente o engajamento na derrocada revolucionária do capitalismo; não se trata de aperfeiçoá-lo, humanizá-lo ou, menos ainda, de desenvolvê-lo. O papel dos marxistas é pela superação do sistema, erguendo, sobre suas bases, a nova sociedade.

2. Por isso, é incompatível com o marxismo qualquer visão nacional-desenvolvimentista, que pressupõe uma aliança com setores burgueses "progressistas" da sociedade. Tal filosofia, sinônimo do conciliacionismo de classe mais crasso, se já era equivocada nos anos 40-60, hoje em dia adota caráter absurdo, haja vista a impossibilidade de se falar, hodiernamente, em uma burguesia "nacional", diante da globalização do capital e da inserção das economias nacionais no cenário internacional (o que não impede que haja, pontualmente, contradições entre as diversas burguesias). Ademais, o pensamento nacional-desenvolvimentista, pelos marxistas, significaria a adoção da visão etapista, enxergando a evolução da sociedade (rumo ao socialismo) como um processus mecânico e fatalista:

A formação de uma economia de mercado nas bases previstas pelo nacional-desenvolvimentismo era compreendida pela esquerda como um elemento de maturação das condições necessárias à construção de uma experiência socialista no Brasil. (Apud Bruno J. C. Oliveira, "Os fundamentos de uma derrota: uma análise sobre o nacional-desenvolvimentismo brasileiro", aqui).

quinta-feira, 1 de março de 2012

No Céu dos bons ateus


Fazer qualquer coisa sob pressão, sob obrigação, tira um pouco, senão a totalidade, do mérito que eventualmente teríamos por aquela ação. Afinal não foi espontâneo: se agi, foi porque era obrigado a isso- um contrato, uma arma na cabeça, sentimento de culpa etc. Não há o desprendimento, não há conduta desinteressada. O livre-arbítrio acaba tolhido, amesquinhado. Isso não se aplica ao conceito hindu do dharma, tal como o compreendo em minha ótica. Pois no dharma, atuamos por achar que dada ação é o correto; é a convicção pessoal, íntima, que nos leva a escolher essa ou aquela conduta. Não há uma imposição exterior, alheia; ao contrário, é à nossa própria voz interna que ouvimos. Conjeturei sobre isso na postagem sobre Cannon.

A religião -qualquer uma delas- faz justamente isso: retira qualquer mérito das ações. Porque exige do crente que faça assim ou assado, caso contrário irá para o inferno. É a analogia da arma na cabeça. "Deus está vendo!", ouvimos quando crianças, para que nos comportemos. Ainda adultos repetem a ladainha, e ei-los homens tementes a Deus. O fato de um Deus precisar ser "temido" para ser obedecido mostra muita coisa. Não por acaso mais de uma pessoa chama a religião de camisa-de-força.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Hemingway, pescadores- e heroísmo


Eu acho que o "heroi ideal" -nas artes em geral, do cinema aos quadrinhos- é aquele com o qual nos identificamos. Na arte queremos ver a sublimação da vida, e é fundamental para isso que haja um mínimo que seja de identidade com a vida aqui fora; sem verossimilhança, não se cumpre esse papel. Não é abrir mão da fantasia (até pelo contrário): mas sim que possamos nos identificar com a fantasia. A vida real é feia, muito feia, sofre-se e chora-se, comemos o pão que o diabo amassou; se o heroi na tela (ou nas páginas do livro, dos comics etc.) não passam por isso, não é possível que nos identifiquemos com ele. O Homem-Aranha é popular por ser um heroi que tem dificuldades para pagar contas (além do nerd inseguro que Peter Parker é, no filme de Sam Remi), assim como, em outra dimensão do mito heroico, Arjuna é humano por ter dúvidas- o Bhagavad Gita é a história de Krishna convencendo-o a ser engajar em combate. E Heitor de Troia na Ilíada: não é o implacável e invencível Aquiles o personagem principal, apesar de mais famoso. E sim Heitor, que mesmo pressentindo a morte, tomado de preocupação pela mulher e filho, combate na linha de frente; porque a defesa da pátria é o certo. Heitor que mesmo valoroso também sente medo e foge mas que, no momento fatal, encara a morte de peito aberto; isso é ser humano, ser gente como a gente. O filme Troia, com Eric Bana como Heitor, mostrou um pouco disso, mas obviamente muito aquém da Ilíada.

Dentro dessa ótica, um dos personagens mais humanos que conheço da literatura é o pescador de "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. A velhice por si só é uma coisa comovente, ainda mais se tratando de um idoso pescador curtido pelo sol; e sob uma maré de azar, ainda por cima. Dias e dias sem uma pesca exitosa, convertendo-se aos poucos na chacota da aldeia. Mas o velho não se entrega: cada dia de tentativa pode ser o dia da vitória.

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