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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Velha política, eleições e voto nulo


Joycemar Tejo
agosto de 2014

E os EUA continuam racistas, e a morte de Michael Brown mostra isso. Rancor e exploração demais para serem apagados em uma mera centena de anos, sendo que já com o séc. XX bem adentrado negros ainda eram linchados e pendurados em árvores. A eleição de Obama foi ilusória. Concordo que, independentemente de tudo, foi um fato progressista por si só: um negro eleito no país da Ku Klux Klan, assim como foi um fato progressista por si só Lula, um operário, e Dilma, mulher, serem eleitos. Mas o avanço acaba aí. Política e luta de classes não se resumem à cor da pele e gênero, e um operário que trai é pior que um burguês que apenas cumpre seu papel histórico de burguês. Obama tem a política externa que vemos aí, e tanto faria para isso ter ascendência africana ou escandinava loira de olhos azuis.

A decepção que foi Obama. Não mudaria muito, mas, o que foi...? Lula nunca foi "de esquerda", mas ser o que foi...? E aí o povo perde a esperança na política, pois o salvador se mostra igual ao anterior, até ser substituído pelo salvador seguinte per omnia secula seculorum. Político é tudo a mesma coisa, e nisso devemos concordar- desde que deixemos claro a que tipo de político nos referimos.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

De fundamentalismo e califados


Quem assistir no Youtube aos vídeos do ISIS -Islamic State of Iraq and Syria-, com louvores a suas vitórias sobre o Hezbollah, sobre o exército regular iraquiano etc., pensará que o Califado Mundial é quase uma realidade. Propaganda é a alma do negócio, afinal; e qualquer organização que procura a hegemonia (não apenas militar, mas também no sentido gramsciano, o da busca do consenso) deve "botar a cara".

Mas o assunto do post, após tanto tempo de inatividade do blog, não é agitprop. É uma observação que gostaria de fazer, justamente sobre os conflitos no mundo islâmico. Deixando claro que não pretendo fazer -o que não quer dizer que o risco não exista- como os "orientalistas" de Edward Said, que abordam o tema através de suas preconceituosas e estereotipadas lentes de ocidentais.

A observação é a seguinte: o dito fundamentalismo islâmico moderno nada mais é que expressão de dada circunstância histórico-material. É uma obviedade dizer isso, claro, mas nunca é demais repetir certas platitudes (nome de um de meus outros blogs, aliás). A Irmandade Muçulmana surge no Egito no fim dos anos 20 como forma de resistência contra a presença britânica e os valores ocidentais. Quando o Hamas, em sua constituição, se declara um braço da Irmandade, traz o espírito para a Palestina ocupada, dentro da resistência diante do sionismo. Os jovens montanheses pobres do Afeganistão poucos horizontes possuem senão se engajar numa milícia armada; a analogia com a garotada proletária das favelas do Rio de Janeiro me parece evidente. É preciso a válvula de escape para a frustração e a pobreza. O Islã, nesse caso, cumpre esse papel.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

No bosque nevado



Os quadrinhos não são, como o leigo costuma rotular, coisa de criança. Ao contrário, são um arte completa, tão completa que é preciso a união de duas para lhes dar vida- a pintura e a literatura. Desenho e argumento. Dessa mistura temos o GIBI, apelido infeliz que remete à publicação infantil de tempos idos.

Quadrinhos, arte e literatura. Li às mancheias na infância, Marvel e DC, Marvel mais poético, dramático até, mas DC me falando mais até hoje à memória afetiva, até hoje uma nostalgia doce. E digo com todas as letras, literalmente, que os quadrinhos ajudaram na minha formação cultural. Os autores mais diversos eram citados, referenciados, comentados. Ilustrados. Percy Shelley, em poema que posso reproduzir de cor -és pálida pela fadiga/ de alçar aos céus, fitando, de Gaia, a fonte/ sempre cambiando, com um olho jocoso etc. etc., não garanto memória tão boa assim, já se vão mais de duas décadas-, como abertura de uma história dos Defensores (os Novos Defensores, com o Gárgula, Nuvem, Andrômeda, Anjo ex-X-men, em uma aventura espacial). Henry Miller, quando eu nem sonhava que Henry Miller se tornaria meu autor favorito, abertura do confronto entre o Homem-Aranha e o Homem-Coisa (cópia pobre do Monstro do Pântano da DC). Lembro-me do trecho de Miller: "o mundo está sempre chorando, o mundo está afogado em lágrimas". A citação, do "Sexus" (ou do "Plexus", não tenho certeza), confunde filósofos. Imaginem o efeito disso em um menino de nove, dez anos de idade. A aventura, do Homem de Ferro contra o Dr. Destino, em Camelot, a Camelot do séc. VI de Rei Arthur e Merlin. Batman e cultos satânicos. Adolescentes problemáticos nos Novos Titãs. O vilão que utilizou cartas de tarô para derrotar a Liga da Justiça!!! E eu, naquela idade, sabia o que era tarô? Passei a saber.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

De peças de fantasia ao cair da tarde


Desde que li, anos atrás, que música clássica estimula as ondas alfa do cérebro, facilitando a concentração, passei a estudar acompanhado de Mozart, Chopin e quejandos. A coisa vai para além do aspecto funcional, é claro; passa-se a amar tudo aquilo e cá estamos, distraídos dos livros, detidos na melodia. Em outro post, em outro blog, falei de meu encanto por um trabalho em especial de Bach, e aproveitei para transcrever um poema que fiz sobre Mozart. Mesmo que se queira evitar o tom "metafísico" que, reconheço, aparece naquele post — Kardec é citado, por exemplo — creio que não podemos negar a capacidade da música clássica de nos levar além. Hoje volto ao tema, mas não é Mozart nem Bach, e sim Schumann.

Sim, hoje: fim de tarde no escritório, lendo processo penal. Schumann no Winamp e incenso indiano. Não há como não ser tomado pelo clima etéreo que a tudo envolve. São as Peças de Fantasia. Deixo o livro e me lembro de cenas repetidas anos, anos atrás; quando eu ainda cismava de fazer concurso público e, evidentemente, tendo lido sobre as ditas ondas alfa, estudava ouvindo música clássica. Lembro que eu fazia turnos de uma hora, a tal "hora líquida" dos concursandos, contadinha no relógio. Como nunca fui de estudo -gostar de ler é uma coisa, estudar em regime espartano é outra- acabava que utilizava o CD como medida de tempo e, conforme me habituava à sequência das músicas, sabia quando o ciclo de uma hora se encerrava. Quando entrava Schumann era um alívio: sabia que, mais alguns minutos depois, o alarme tocaria avisando que a tortura chegara ao fim. O órgão de Schumann, então, se tornou para mim quase um sinônimo de liberdade.

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