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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Lições de cinema


Um exemplo comum, para mim, de humor involuntário (aquele que dá vontade de rir quando quer passar por sério), é a famosa cena de "discurso pré-batalha" nos filmes. Os exércitos em formação -sejam medievais, cavalaria, tropas estelares etc.- e vem o comandante com aqueles inspirados discursos, falando geralmente em "honra", "coragem", "liberdade". Em regra é algo tão meloso, tão piegas, que acabo rindo aqui comigo, enquanto os valentes soldados cerram os dentes ouvindo a arenga do general.

Isso me veio de novo à mente na última semana, quando revi 300 e Coração Valente (este, pela quinquelhésima vez; sou fã mesmo). De certo modo, creio que sempre houve discursos ufanistas pré-batalha. Na "Ilíada" vemos reiteradamente Heitor chamando ao combate, mas eram rápidas admoestações, sem um pingo de pieguice (tirando a parte em que ele diz que "lutar pela pátria é o único dever", ou coisa do tipo), assim como na "Eneida" me lembro de um discurso de Turno animando seus soldados- dizendo algo como, "ei, vamos mostrar pros troianos que desta vez eles estão enfrentando algo pior que os gregos", sendo retribuído -isso Virgílio não fala, mas podemos presumir- com aqueles "uhu!" animados da soldadesca. Contudo, repito: nada piegas como nos cinemas.

Mas as falas do cinema podem, às vezes, trazer boas lições de vida. Pode parecer ridículo tirarmos lições de vida dos filmes de Hollywood, eu sei, mas nem toda sabedoria se exaure em Sócrates ou Kant; talvez a possamos encontrar em "Tela Quente". Ou na "Sessão da tarde" (ok, peguei pesado).

Vou dar dois exemplos, de cenas de cinema que, para mim, até hoje servem de inspiração. Ambas as cenas são do mesmo filme, Matrix Revolutions, que é o último da trilogia. Não me lembro detalhes, já que nunca mais revi o filme. Mas o que importa é a ideia- e as lições, que nunca esqueci.

Na primeira cena, o comandante é alvejado mortalmente pelas máquinas inimigas, sendo socorrido por um jovem combatente. O garoto pergunta o que pode fazer, e o comandante responde-lhe que deveria vestir o traje de combate que ele mesmo utilizava. O jovem objeta, "-não posso fazer isso, não concluí os cursos preparatórios!", ao que o comandante -ele que lutara tão bem, utilizando o tal traje de combate- responde, já dando o último suspiro, "-nem eu".

Quantas vezes a vida nos coloca em situações diante das quais não nos achamos preparados? Daí ficamos paralisados, amedrontados, esperando o "manual", a "aula", a "lição". Só que ela nem sempre vem- a vida não possui roteiros. Então ou somos atropelados pela vida, ou a enfrentamos, como o comandante do filme, independentemente de "curso de formação". Talvez você não se dê conta, mas está preparado. Rasgue os manuais. Não precisa deles.

Parece autoajuda? Que seja. Mas me digam se estou errado.

A segunda cena é a luta final entre Neo e Smith. O heroi é surrado impiedosamente, mas sempre se erguia, cambaleante, e disposto a prosseguir o combate. Smith, espantado (e provavelmente cansado de bater, se é que uma máquina se cansa) pergunta em altos brados, "-por que você continua se levantando? por que você ainda insiste?". A resposta de Neo é sublime. Dá de ombros, como se estivesse falando a coisa mais elementar e óbvia do mundo: "-é a minha escolha". Escolher se manter de pé! Isso faz toda a diferença.

Falei em Kant, acima, e me lembro de uma frase sua, reproduzo-a de memória: aquele que se arrasta pelo chão não pode se queixar de ser pisado. A lição de Neo é justamente um chamado para que nos levantemos, apesar de toda porrada que recebemos do nosso Smith cotidiano. Não se trata de voluntarismo, de dar murro em ponta de faca; e sim de saber o que se quer, e lutar por isso. Então me lembro de James Cannon, dizendo que quando se tem um programa, quando se sabe o que se busca, não se titubeia. Opta-se por ficar de pé.

Taí, lições de vida tiradas do cinema. E sem os discursos pré-batalha ufanistas e piegas, que acabam sendo engraçados sem querer.

Aliás, uma coisa que nunca entendi. Como os soldados da última fileira, bem lá atrás, conseguiam ouvir o discurso do general? Apesar disso, também soltavam seus "uhu!" empolgados.

2 comentários:

Emanuella disse...

Decidi te ler no dia certo. Belo texto. Verdade pura e simples.

solfirmino disse...

SIm! "A lição de Neo é justamente um chamado para que nos levantemos, apesar de toda porrada que recebemos do nosso Smith cotidiano."

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