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terça-feira, 12 de julho de 2011

Impermanência (a vida como efêmera)


"Não há mal que sempre dure", como é mesmo o ditado? Alguns recorrem à religião -não vou falar aqui em religião mas classificarei o post sob esta etiqueta, até por falta de uma melhor, já que classificar como "Filosofia" me pareceu pretensioso- mas a mim, o método dialético, que como marxista utilizo, me protege contra o desespero. Porque o desespero se dá diante da situação insuportável que não podemos mudar e, ao contrário, entendo que não há situações que não possam mudar. A vida é uma eterna construção. "Tudo flui" (panta rei), como diz o longínquo Heráclito de Éfeso em V a. C., a ele se juntando, séculos depois, a voz de Karl Marx, que botou Hegel de cabeça para baixo: da Terra para o Céu e não o contrário.

Há uma marcha em curso. Talvez não graças ao Espírito, como presumem os idealistas (sem carga pejorativa, e sim epistemológica), mas graças ao nosso trabalho cotidiano, humano, concreto. O Homem é o agente da História, e nesse processo transforma o mundo e a si mesmo.

Lembro do fechamento de um livro infanto-juvenil, Fernão Capelo Gaivota. "Não há limite?", pergunta um personagem a outro. Uma pergunta que, em certo sentido, Leandro Konder pode responder:

Para a dialética marxista (...) a atividade humana é um processo de totalização que nunca alcança uma atividade definitiva e acabada.

Não, não há limite.

A tese (afirmação) tem sua antítese (negação), do embate vem a síntese, isto é, a negação da negação (adoro esse termo) que vira ela própria tese, que tem sua antítese etc. etc.

É por isso que Leon Trotsky, até nesse aspecto puramente teórico (mas em Marx não há pura teoria, tudo chama à práxis) é vitorioso sobre toda a burocracia stalinista. Porque Trotsky advogava a revolução permanente, o processus pelo qual se chegaria à colocação marxista no "Ideologia Alemã", o intercâmbio universal das forças de produção, como conditio sine qua non para o advento do comunismo. Requerendo um "intercâmbio universal", quaisquer tentativas de fechar o socialismo em si mesmo -como fizeram as experiências degeneradas stalinistas- só poderiam resultar no retumbante fracasso. A revolução não pode parar. Se não é permanente, não é revolução.

Eu disse que não falaria em religião. Mas, que diabos (sem trocadilho), me ocorre que as orientais estão baseadas nesse conceito. Peguemos por exemplo o "Bhagavad Gita":

E, na realidade, nem há coisas que se possam designar pela palavra inatividade; pois tudo, no Universo, está em atividade constante, e nada pode subtrair-se à lei geral (3:4).

É exatamente disso que estou falando. Não há inatividade, e sim movimento, movimento incessante. Pode parecer lugar-comum, e talvez alguém já tenha dito isso, mas a única coisa que não muda é a mudança. Ainda no Oriente, há o princípio da impermanência no Budismo, sobre o qual explica Ricardo Gonçalves (apud "Textos budistas e zen-budistas", ed. Cultrix) que "os homens e o mundo que eles habitam são fruto de um contínuo processo de transformação. Nada é estável. Tudo é impermanente e efêmero".

O ócio me desgosta. Estar desocupado, enquanto o mundo todo fervilha lá fora, é estar à parte. E me lembro do "quem não trabalha não come" de Lênin, e da parábola bíblica sobre o campo a semear ser vasto mas haver poucos trabalhadores. O "vagabundo" é realmente algo que não consigo entender. O dever é alegria, diz Rabindranath Tagore. Por que fugir dele? Isso tem a ver, todavia, com a própria sociedade de classes, onde o trabalho tem a conotação de sofrimento. O trabalho alienado decerto não é prazeroso, e penso -se fosse possível escolher- que é melhor ser vagabundo a produzir mais-valia para o burguês.

"Impermanente e efêmera", isso é a vida. Tudo se movimenta, tudo trabalha, tudo gira: da formiga aos planetas. Nascemos e morremos, chove e faz sol. Quantas fases tem a Lua? E seu humor, tem quantas? Minguante e cheio. Gênio e então louco, shine on you crazy diamond, pedimos a Syd Barret. Da sarjeta à glória, ou vice-versa. Bem-vindos à roda de samsara.

Durante uma profunda depressão, alguns anos atrás, contemplei a imagem de Krishna e pedi (não se choquem, por favor) pela morte. Tempos depois, já recuperado, olhando para o mesmo desenho na capa do "Srimad Bhagavatan", pedi não mais morte, e sim vida, vida em abundância (João 10:10). Krishna sorriu para mim, de flauta em punho em sua bela tonalidade azul.

O que eu quero dizer é: perseverem. Nessa roda-gigante, ora estamos em cima ora embaixo, mas -e é esse o segredo- é tudo transitório.

O Fluminense não esteve na Terceira Divisão em 99, e hoje é o atual campeão brasileiro? Então...

5 comentários:

Fernando Rodrigues Felix disse...

Eu gostei muito do texto, você escreve muito bem e são verdadeiras aulas de filosofia. Todavia me permita fazer uma correção. Não foi Lênin que disse que "Quem não trabalha não come" foi o apóstolo Paulo.

J.L.Tejo disse...

Você tem razão, Fernando. A frase está em "2 Tessalonicenses" 3:10:

"Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também".

Porém...TAMBÉM aparece em Lênin:

"(...) realizar o princípio primeiro, básico e fundamental do socialismo: «quem não trabalha não come.»"

(neste link- http://bit.ly/ogwFgZ)

Acho fascinante a identidade do conceito. É um chamado ao trabalho e, nessa identidade, um ponto de contato entre religião e revolução.

Breno Corrêa disse...

Texto pesado, cheio de conceitos, mas não menos interessante. Uma aula de otimismo.

Goathibral disse...

A ideia de movimento realmente traz um conforto para o que sofre. E que a história tbm não é feita somente de acordo com a nossa vontade e sim de acordo com as condições históricas dadas, nos ajudar a aceitar o que não podemos modificar e mudar aquelas que posso. A oração Inicial do AA é isso, "Deus concedei-me serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para mudar aquelas que posso e sabedoria para perceber a diferença." `Sentimos paz quando levamos as nossas vidas essa idéia,acho que é se relacionar com Deus.

Goathibral disse...

Como uma onda Lulu Santos
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi
um dia
Tudo passa, tudo sempre
passará
A vida vem em ondas,
como um mar
Num indo e vindo
infinito

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há
um segundo
tudo muda o tempo todo no
mundo

Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo
agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

Como uma onda no mar

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