Beatnik bitolado

O filme "Na estrada", de Walter Saller (aqui), não é exatamente igual à obra que lhe inspira, "On the road", o clássico beat de Kerouac. Ao menos dentro do que me vem à memória: li o livro há certo tempo, enquanto me recuperava de uma cirurgia na tireoide. Quando se está atrelado a uma cama, nada melhor que leituras sobre aventuras na estrada, e até hoje me lembro da expressão "ar lírico do Nebraska", e desde então, em meu inconsciente, o Nebraska -que nunca visitei e talvez nunca visitarei- sempre será dotado de um ar lírico. Mas o filme não é exatamente igual -as cenas de teor sexual, principalmente, pura licença poética- e até aí nada demais, pois é raríssimo produção cinematográfica que seja fiel à obra original, e já falamos disso no blog (aqui).

No mais o filme é bom, se bem que algo arrastado. Kristen Stewart e Kirsten Dunst (quase xarás, só um "r"zinho fora de lugar) estão bem, assim como Garrett Hedlund, que faz Dean Moriarty. Tom Sturridge, que interpreta Carlo Marx -i. e., Allen Ginsberg- também excelente. "Eu posso ser um beatle, um beatnik, ou um bitolado/ Mas não sou ator, não estou à toa, do teu lado"- lembro da música e não posso deixar de colocar aqui Engenheiros do Hawaii como interlúdio:

*

*

*

Mário Quintana é melancólico como eu não imaginava que fosse, eu que li apenas alguns poemas soltos. Indiscutivelmente o meu favorito é e sempre será Augusto dos Anjos, com versos como papel de presente embrulhando lixo. Ao lado dele os modernistas, Drummond, Bandeira, de uma geração mais recente Affonso Romano de Sant'anna, citado em um dos primeiros posts do velho blog. E Quintana, como eu ia dizendo, tem melancolia a não mais poder. Daí, ao ler sobre tantas velhas embarcações e partidas, sobre o desejo ser apenas "o mapa de nuvens/ e um barco bem vagaroso", mais que isso, sobre tantas "estranhas naus que não demandam portos", não posso deixar de pensar que Quintana também é poesia, ao seu modo, "on the road". Viajar é preciso.