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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

De fundamentalismo e califados


Quem assistir no Youtube aos vídeos do ISIS -Islamic State of Iraq and Syria-, com louvores a suas vitórias sobre o Hezbollah, sobre o exército regular iraquiano etc., pensará que o Califado Mundial é quase uma realidade. Propaganda é a alma do negócio, afinal; e qualquer organização que procura a hegemonia (não apenas militar, mas também no sentido gramsciano, o da busca do consenso) deve "botar a cara".

Mas o assunto do post, após tanto tempo de inatividade do blog, não é agitprop. É uma observação que gostaria de fazer, justamente sobre os conflitos no mundo islâmico. Deixando claro que não pretendo fazer -o que não quer dizer que o risco não exista- como os "orientalistas" de Edward Said, que abordam o tema através de suas preconceituosas e estereotipadas lentes de ocidentais.

A observação é a seguinte: o dito fundamentalismo islâmico moderno nada mais é que expressão de dada circunstância histórico-material. É uma obviedade dizer isso, claro, mas nunca é demais repetir certas platitudes (nome de um de meus outros blogs, aliás). A Irmandade Muçulmana surge no Egito no fim dos anos 20 como forma de resistência contra a presença britânica e os valores ocidentais. Quando o Hamas, em sua constituição, se declara um braço da Irmandade, traz o espírito para a Palestina ocupada, dentro da resistência diante do sionismo. Os jovens montanheses pobres do Afeganistão poucos horizontes possuem senão se engajar numa milícia armada; a analogia com a garotada proletária das favelas do Rio de Janeiro me parece evidente. É preciso a válvula de escape para a frustração e a pobreza. O Islã, nesse caso, cumpre esse papel.

Tentando explicar melhor a opinião. Não é que caminhem ao Islã movidos pelo ódio; mas o Islã -como poderia ser qualquer outro sistema de crenças- encontra solo fértil para esse ódio. É uma religião muito mais viril que o cristianismo, por exemplo. Enquanto neste há o chamado para o martírio, mas o martírio passivo, no Islã é com espada na mão. Daí voltamos ao estatuto do Hamas, artigo oitavo:

Allah is its target, the Prophet is its model, the Koran its constitution: Jihad is its path and death for the sake of Allah is the loftiest of its wishes.

Um adversário para quem morrer em combate é o "mais sublime dos desejos" é com certeza um adversário a ser respeitado.

Pelo caráter de resistência, essa forma de luta deve ser apoiada. Repito, não pelo seu aspecto teológico, mas pela efetiva postura de enfrentamento ao imperialismo (em todas as suas formas- político, econômico e bélico). Podemos discordar do sunismo do Hamas, mas iremos sempre estar ao seu lado quando se trata de combater a ocupação sionista.

A forma de luta calcada na religião deve ser apoiada, de forma crítica que seja, quando se converte em um enfrentamento de caráter progressista, portanto. Não é o caso do ISIS, por exemplo. Voltemos a ele. Que o Califado venha, mas não o deles. Matadores de muçulmanos, assim como, talvez possamos comparar, o Sendero Luminoso matava comunistas. Os dotados da "visão única" são assim: o dissidente não é tolerado. Há quem diga que o ISIS é patrocinado pelos ianques e pelos sionistas, na velha tática do dividir para conquistar. Não é improvável. Como quer que seja, tem um modus operandi muito pouco condizente com o Deus "misericordioso e compassivo" do Corão- vejam o vídeo, ou melhor não vejam caso sejam sensíveis. Saibam, em todo caso, que religião nada tem a ver com isso. São, sim, a barbárie e atraso que encontraram expressão na religião.

2 comentários:

Revistacidadesol disse...

Tejo: O pcp-sendero matava comunistas? Fale-me de um. Mas afinal, era uma guerra entre eles e o estado, não era?

J.L.Tejo disse...

Interessados no tema, ver, dentre outros, o sítio do PCdelP (Patria Roja), aba "Nuestra Historia"- http://www.pcdelp.patriaroja.org.pe/nuestra-historia/, pág. 07.

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