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segunda-feira, 23 de maio de 2011

O horror, o horror


É um truísmo, mas o ser humano é contraditório. Um masoquista, por exemplo: sentir prazer onde os demais sentiriam dor é no mínimo inusitado. Gostar de rúcula é outra coisa que não entendo, idem torcer para o Botafogo ou para o São Paulo (não, não é bullying, HC). Não faço aqui nenhum juízo de valor: apenas constato o quanto, dentro de toda sua complexidade, o ser humano nos surpreende, fugindo do usual. Aliás, caso faça um juízo de valor, será justamente para expressar minha satisfação, minha alegria, com todo esse pluralismo. É bom que haja masoquistas: é bom que haja pessoas que tirem prazer de onde outras não tirariam. Se todos gostassem de rúcula, que seria da alface?

Filmes de terror se inserem nesse contexto. Reparem: terror. Você vai ao cinema ou aluga o DVD (ou compra no pirata) para sentir...terror. Não é para suspirar apaixonadamente nem para gargalhar, muito menos para refletir sobre a vida; e sim para sentir medo.

Mas isso não é incrível?

Tenho uma teoria a respeito. Claro que sem nenhum rigor científico: não sou psicólogo nem antropólogo. Acho que a vida civilizada, cada vez mais facilitada pelo imenso incremento da tecnologia, "amaciou" o ser humano, dando-lhe um estilo de vida modorrento e calmo. Contudo, nas profundezas do id, sentimos falta dos tempos imemoriais quando lutávamos pela sobrevivência. Isto é, a civilização nos tirou a emoção, e vamos buscá-la no entretenimento. Esportes radicais e saltos de paraquedas são a mesma coisa. É querer vivenciar emoções que não temos na nossa vida cotidiana. Idem para o futebol: impossível, e falo como entusiasta do esporte, não ver na disputa uma batalha em miniatura, os "exércitos" nas arquibancadas com seus estandartes e gritos de guerra. O homem civilizado guarda em si o selvagem, mesmo que simbolicamente.

Eu mesmo gosto de filmes de terror. Não os sanguinolentos, com tripas e vísceras voando pela tela, mas os inteligentes, onde o terror está mais no insinuado do que no efetivamente mostrado. "O grito" ("The grudge", 2004) é muito bom, por exemplo. Um dos melhores filmes de fantasma que assisti, talvez mesmo melhor que o original japonês, que achei um tanto arrastado. O cinema de terror oriental, aliás, produziu muita coisa boa trazida para o Ocidente, como "O chamado" ("The ring", 2002), também uma refilmagem, e o tailandês "Espirítos- a morte está ao seu lado" ("Shutter", 2004).

Mas a melhor cena de terror que já assisti, até hoje, está em "Exorcista- o início" ("Exorcist: the beginning", 2004). O filme em si não é grande coisa, e a maioria das críticas da mídia especializada foi negativa, mas essa cena é de arrepiar. Refiro-me à tentativa de exorcismo feita pelos sacerdotes tribais no menino supostamente possuído, num hospital de campanha. O modo como entram sorrateiramente no quarto, paramentados: o visual de feiticeiro africano típico (típico no nosso imaginário, pelo menos), com ossos pendurados e pinturas tribais. As cantigas e o transe durante o ritual, num ritmo que acelera mais e mais, cada vez mais vertiginoso. E a reação do menino possuído (na verdade, a possessão estava se realizando em outra pessoa, mas não vou estragar a surpresa de quem ainda não assistiu), olhos revirados e tremedeira, enquanto as luzes falham e tudo começa a tremer. O ritual não para, os cânticos mais frenéticos, os sacerdotes dispostos a sacrificar o menino possuído para livrar o local do demônio lá instalado, tudo treme, as luzes falham intermitentemente, o menino se contorce. E os feiticeiros africanos, suas pinturas tribais assustadoras, concentrados num transe ritualístico. Luzes falhando, tudo tremendo, o menino possuído em convulsões, e o Diabo então mostra sua força, repelindo -de forma grotesca, sangrenta- os feiticeiros, sua velha magia africana ancestral impotente para consumar o exorcismo. Assistam a cena e digam se não é pavorosa.

Claro, a vida aqui fora também é repleta de terror. Como o sentido por Van Gogh, o surto de loucura durante uma sessão de pintura no campo, em um dia de ventania. E como aquele terror sofrido pela Oposição de Esquerda soviética, perseguida (até a eliminação física) dentro e fora da Rússia pela burocracia stalinista. Essa é a vida real e não é nada cor-de-rosa, amigo. Mas ainda assim procuramos o terror no cinema: é nossa busca por emoções fortes. É humano.

O sobrenatural me interessa, portanto. Já sangue jorrando gratuitamente, não, a não ser que de forma bem encaixada na cena. Curiosamente, achei que "O albergue" ("Hostel", 2005) seria desse tipo de terror nojento, daí minha recusa em assisti-lo na época do lançamento. Mas para minha surpresa, há uma boa história aí- influência de Quentin Tarantino, como se sabe. O que não quer dizer que toda a violência mostrada no filme não seja realmente exagerada.

Queria continuar o post, mas acabou de dar meia-noite. Além disso, estou ouvindo um barulho estranho no corredor e tenho que ver o que é...

5 comentários:

Breno Corrêa disse...

A julgar pelo futebol apresentado pelo Fluminense no último jogo do Brasileirão, masoquismo é ser tricolor das laranjeiras.

"... a civilização nos tirou a emoção, e vamos buscá-la no entretenimento" Faz bastante sentido.

Ultimamente estou sem paciência pra assistir filmes, diferentemente de você, rs.

Anônimo disse...

Li dia desses no twitter da @revistamad: "Desde criança que gosto d filmes de HORROR! Comecei vendo os da Xuxa."

Vanna disse...

Torcer pelo Fogão é uma emoção. rsrsrs
Querido, assim como vc não gosto do terro sanguinolento, somente os sobrenaturais, mas mesmo assim esses d possessão ... rs Gostei muito d Os outros, A vila. Em se tratando d filme, gosto mesmo d rir e d sonhar. Nada contra refletir mas...
Bjs

Anônimo disse...

‘O Exorcista’ é um filme que não tive coragem de assistir, e com tudo isso que você detalhou, agora é que não vejo mesmo /rs/. Mas acho que, com o tempo, a gente vai mudando de gostos e preferências, já gostei bastante de filmes com cenas fortes, embora ainda assista, sou eclética, assim como para música, assisto de tudo (o que eu espero é que as cenas não sejam tão previsíveis). Na época gostei muito do INSTINTO, com Anthony Hopkins, mas confesso que valeria a pena assistir novamente para sentir qual seria minha reação hoje. Grande abraço,

Breno Corrêa disse...

Mais uma sessão de masoquismo nesse domingo, 12 de junho de 2011.

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